O PAPEL DO CHEF DE COZINHA NA TRANSFORMAÇÃO DA GASTRONOMIA

O PAPEL DO CHEF DE COZINHA NA TRANSFORMAÇÃO DA GASTRONOMIA E DA HOSPITALIDADE

Hotelier News – 20/10/2025 – Por Nayara Matteis
Profissionais que transformam ingredientes em experiências únicas, os chefs de cozinha se tornaram protagonistas de movimentos culturais, econômicos e turísticos em todo o mundo. Reforçando a identidade de muitos destinos, a gastronomia se tornou um fator decisivo nas escolhas de viagens e ganhou ainda mais relevância na receita de empreendimentos hoteleiros de todas as categorias.
De acordo com uma pesquisa global da Booking.com, 69% dos viajantes brasileiros consideram a culinária uma das principais motivações para escolher um destino. O estudo mostra que a influência da gastronomia se estende a diferentes públicos. Entre as mulheres, o percentual sobe para 73%, enquanto entre os homens o peso é de 65%. Para os Millennials, a experiência gastronômica é importante para 71% dos respondentes, seguidos pela Geração X (68%) e pela Geração Z (68%).
Esse perfil de consumo afeta diretamente o setor hoteleiro. Segundo o levantamento, quase metade dos brasileiros (43%) que reservaram por meio da OTA considera importante saber se o meio de hospedagem oferece opções de alimentação.
Os dados acima apenas enfatizam a importância da gastronomia como motor do turismo gastronômico e da hospitalidade, assim como seu impacto econômico e cultural no Brasil e no mundo. Hoje (20), é celebrado o Dia Mundial do Chef de Cozinha, e o Hotelier News dá voz a esses profissionais para falar sobre os desafios da profissão, além de tendências que vêm moldando a culinária hoteleira.
Dardillac: chef precisa ser um líder completo
De cozinheiro a gestor
Chef executivo do cluster do Fairmont Rio de Janeiro Copacabana, o francês Jérôme Dardillac está radicado no Brasil há três décadas. Para o profissional, a função evoluiu muito ao longo dos anos, indo de cozinheiro a gestor de cozinha. “Hoje o chef precisa ser um líder completo. Um professor, um psicólogo, um amigo ou até mesmo um pai”, reflete.
Coração da operação gastronômica, o chef precisa ensinar, motivar e crescer junto com a equipe. Dardillac afirma que se sente inspirado quando encontra diamantes em seu time, com potencial para serem lapidados. “Fico lisonjeado, ajudo, motivo e estimulo para que a pessoa alcance seus sonhos. Gosto de ver todos crescerem”, pontua.
Além de criar e executar receitas, o chef também gerencia equipes, desenvolve conceitos gastronômicos e colabora com outros setores do hotel. “É uma profissão que exige grande liderança, visão estratégica, dedicação, paixão pela cozinha e apoio da família”, diz o francês.
Desenvolver menus, pensando no impacto dos custos do hotel, inovar na entrega e na experiência, e criar estratégias que reduzam o desperdício de alimentos são alguns dos desafios diários da profissão. O chef é o tradutor da cultura do destino, do conceito do empreendimento hoteleiro e o responsável pelas memórias afetivas que o hóspede levará da viagem.
À frente da cozinha do Grande Hotel Senac Águas de São Pedro, Lucas Masuda compara a função do chef na atualidade com suas demandas do passado. Para o profissional, houve uma evolução nas responsabilidades. Muito além de cozinhar, é preciso gerenciar uma operação de grande porte, em constante estado de inovação.
“É inovar em processos operacionais, receitas e ingredientes, mas sempre cuidando de pessoas. Um bom chef precisa saber se posicionar de forma polida, pois o mercado atual não tolera mais a opressão de antigamente na cozinha. Temos que dar voz e escutar os liderados. Tudo isso sem falar da parte financeira, que envolve conhecimentos em negociação, gerenciamento de números e compras”, pontua Masuda.
Para Masuda, a gastronomia está mais reconhecida no país
Gastronomia como impulsionadora do turismo
De acordo com o Ministério do Turismo, 97% dos turistas estrangeiros que visitam o Brasil avaliam positivamente a culinária nacional, e a cada ano cresce o número de viajantes que buscam experiências ligadas à comida local. Nesse contexto, o trabalho do chef ultrapassa o preparo de pratos: ele traduz cultura, identidade e memória por meio dos sabores. Em muitas cidades, o restaurante de um hotel é o primeiro contato do visitante com a gastronomia regional e, em alguns casos, o principal motivo da viagem.
Emmanuel Bassoleil, chef executivo do Hotel Unique, acredita que a gastronomia tem papel fundamental e grande responsabilidade no que diz respeito ao crescimento do turismo. “Boa gastronomia significa acolhimento, que é o que os viajantes buscam. O setor está crescendo em todos os cantos do Brasil, e as experiências gastronômicas são colocadas, em muitos empreendimentos, como mais importantes que a localização, por exemplo”, explica.
Mais do que profissionais responsáveis por comandar uma cozinha, os chefs tornaram-se protagonistas da experiência turística e da hospitalidade moderna. Em um setor cada vez mais orientado pela vivência e pela autenticidade, a gastronomia assume papel central na escolha de destinos e hotéis.
Para Dardillac, os chefs são contadores de histórias e representantes da cultura regional. No Marine Restô, restaurante do Fairmont Rio, o chef busca criar experiências únicas com produtos brasileiros. Ele conta que, por já ter morado em várias regiões do país, tenta refletir essa vivência nos menus. “No Marine, por exemplo, o conceito do restaurante é de gastronomia brasileira utilizando a brasa, com pratos de várias regiões do país.”
Além de preparar refeições, o chef de cozinha hoje ajuda a construir a imagem do destino. Ele representa a fusão entre arte, técnica e hospitalidade — um elo entre o prato e o território, entre o sabor e a memória. Na hotelaria, seu papel é cada vez mais estratégico: traduzir a essência de um lugar em experiências capazes de despertar pertencimento e fazer com que o turista queira voltar.
O chef do Grande Hotel Senac Águas de São Pedro destaca que a percepção do brasileiro mudou em relação à valorização do comer e beber bem. Para Masuda, a gastronomia vem sendo mais reconhecida no país, aproximando-se de culturas que já atuam dessa forma, como Itália e França.
“As redes sociais ajudaram muito nesse sentido. Todos querem postar sobre suas experiências, e a gastronomia entra nessa conta. E, quando falo em comida boa, não é necessariamente a mais cara, mas sim aquela que utiliza ingredientes de qualidade com técnica”, diz Masuda.
No caso do Brasil, com sua vasta pluralidade gastronômica, reforçada pela diversidade de insumos regionais, traduzir o DNA culinário é ainda mais desafiador e, ao mesmo tempo, instigante. Em uma nação miscigenada, com grande impacto de outras culturas, misturar escolas é uma fonte de inspiração para Masuda.
“Existe um segmento gastronômico no Brasil que é Nikkei, onde mesclamos a culinária japonesa. É preciso ter esse contato com outras culturas e nacionalidades para trazer algo inovador. Essa fusão de experiências faz parte da representatividade da imagem gastronômica do país”, pontua o chef.

Cannizza: gastronomia é elo entre hóspede e hotel
Desafios de liderar uma cozinha 24 horas
Na hotelaria, a presença de um chef reconhecido pode elevar o posicionamento do empreendimento, atrair novos públicos e gerar visibilidade para o destino. Hotéis de luxo e resorts têm apostado em menus autorais e parcerias com profissionais premiados para fortalecer o conceito de experiência completa. Já nas pousadas e hotéis independentes, o foco tem sido a valorização de ingredientes locais e produtores regionais, conectando sustentabilidade, território e hospitalidade.
César Cannizza, chef do The Westin São Paulo, afirma que, na hotelaria, essa liderança ganha um significado ainda maior. Cozinhar em um hotel significa acolher o mundo todos os dias. Cada hóspede chega com uma história e cada prato é uma oportunidade de garantir que essa história continue.
Mais do que criar receitas, o chef precisa dar sentido à experiência do hóspede. A gastronomia é, segundo Cannizza, “um elo entre o que o hóspede sente e o que o hotel acredita”. O uso de ingredientes locais é outro aspecto estratégico. Escolhas cuidadosas podem gerar impacto econômico, fortalecer destinos e despertar orgulho em quem produz.
“Ser chef de cozinha é, antes de tudo, um ato de liderança silenciosa. É unir técnica e emoção, traduzir territórios em sabores e transformar o trabalho diário em cultura viva”, afirma o profissional.
Em 2018, Canizza participou da Laureate Culinary Cup, competição que reuniu jovens talentos de várias universidades do mundo. “Foi um daqueles momentos que marcam uma trajetória. Tive a oportunidade de conquistar o título internacional, uma conquista inédita para o Brasil, representando a Universidade Anhembi Morumbi.”
O prato apresentado naquela edição foi inspirado na pluralidade brasileira e homenageia a artista Tomie Ohtake. “Esse prato me ensinou que a simplicidade é a forma mais difícil — e mais bonita — de expressar técnica e emoção ao mesmo tempo. Cada detalhe, do fundo de pato à pétala da rosa, foi pensado para representar a pluralidade brasileira com respeito e identidade.”
Liderar uma cozinha de hotel exige equilíbrio, gestão e sensibilidade. Para Canizza, estar à frente de uma operação 24 horas exige mais do que repertório técnico, mas também presença, escuta e propósito. “É fazer a equipe acreditar que cada detalhe importa, do mise en place ao sorriso no passe.”
Bassoleil ressalta que um dos principais desafios do chef de cozinha hoje é uma dor vivida por todo o setor hoteleiro: a falta de profissionais para compor equipes. Segundo ele, fatores como a longa jornada de trabalho, que inclui turnos à noite ou aos finais de semana, dificultam a atração e retenção de novos talentos.
“Infelizmente, hoje há grande dificuldade de encontrar pessoas que tenham essa disponibilidade de horário. Com 40 anos vivendo no Brasil, nunca passei por um momento tão complexo em relação a isso. Não se trata de qualidade, pois o país tem profissionais muito bons. A grande dificuldade está realmente em encontrá-los”, analisa o chef do Hotel Unique.
Chef executiva do Seen no Brasil, Gizely Rocha coloca os custos dos insumos como os maiores desafios da gastronomia hoteleira, assim como a adoção de práticas sustentáveis no dia a dia da cozinha.
“Estamos constantemente nos desafiando a não desperdiçar alimentos, além da preocupação com os preços dos insumos, que não param de subir. Ao mesmo tempo, é difícil repassar esse custo ao cliente final, pois o valor do prato precisa ser atrativo”, pondera Gizely.
No turismo contemporâneo, o chef é também um agente de transformação social e ambiental. A escolha de ingredientes de origem sustentável, o combate ao desperdício e o incentivo à agricultura familiar tornaram-se práticas essenciais para redes e empreendimento independentes. Essa atuação amplia o impacto positivo da gastronomia, que passa a ser vetor de desenvolvimento regional e de promoção da cultura alimentar brasileira.
Fontes de inspiração e destinos
Para a chef do Seen São Paulo, restaurante do Tivoli Mofarrej, as viagens são sua maior fonte de inspiração para acompanhar tendências de novos ingredientes e técnicas. Sobre destinos que são referência em gastronomia, Gizely destaca Lisboa e Londres como seus favoritos.
Com experiência em diferentes regiões do país, Dardillac ressalta a riqueza e a diversidade dos sabores brasileiros. “O Brasil é riquíssimo. Já morei na Bahia, em São Paulo, em Manaus, em Minas Gerais, e isso foi muito enriquecedor”, conta. Ele cita Minas Gerais pela culinária tradicional, a Bahia por seus sabores únicos e o Amazonas pela exuberância de ingredientes. “Aliás, recomendo que todos os chefs passem um período no Amazonas para conhecer os ingredientes dessa região, riquíssima em diversidade.”
Atualmente morando no Rio de Janeiro, o chef vê na cidade uma fusão de culturas. “Ela mescla o urbano com o regional. Resumindo, cada região tem uma história para contar, e a gastronomia é a forma mais saborosa de vivenciá-la.”
Ao celebrar o Dia Mundial do Chef de Cozinha, Dardillac compartilha uma mensagem simples, mas essencial. “Respeite os ingredientes e deixe-os brilhar no prato. Use produtos locais, frescos e sazonais, e conte uma história com cada criação.”
Por fim, o chef resume sua filosofia de trabalho em uma frase: “Faça tudo com amor e respeito.”

(*) Crédito da capa: Unsplash

(**) Crédito das fotos: Divulgação

Hotelier News

 

Sobre Sindal

Entidade sindical patronal da indústria do Estado de São Paulo, oficializada pelo MTE em 25 de janeiro de 1999, o SINDAL congrega, defende e representa os interesses das empresas que se dedicam à atividade econômica de projetar, fabricar, montar, suprir e dar manutenção em equipamentos e produtos para cozinhas profissionais e para a infraestrutura física de produção de alimentos servidos pelo setor do foodservice em geral.

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